Sínteses das conferências proferidas nas Jornadas de Formação do Clero, realizadas no Seminário dos Olivais nos dias 24 a 26 de janeiro.

Os textos que aqui se apresentam são compostos por introduções, elaboradas para a contextualização de cada um dos dias das jornadas, e de sínteses, em jeito de notas soltas, como resumo das exposições apresentadas pelos oradores, lidos no momento. Não têm em conta a escrita mas a oralidade. 

Terça-feira, 24 de janeiro

“Porque para Deus todos vivem”

A vida sob o olhar de Deus: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Homem e mulher, ele os criou, confiando-lhes a missão de dominar a terra.

O Livro do Génesis define-nos a origem da Vida. O dom da vida que Deus Criador e Pai confiou ao homem, exige que este tome consciência do seu valor inestimável e assuma a responsabilidade do mesmo.

Na actualidade, com o progresso das ciências biológicas e médicas, o homem pode dispor de recursos terapêuticos sempre mais eficazes, mas pode adquirir, também, novos poderes sobre a vida humana. Desde o início até ao culminar da vida, o homem parece querer tomar posse e interferir sobre um dom que lhe é dado a gerir para a sua continuidade.  Neste sentido os critérios do respeito, a defesa e a promoção do homem, o seu direito primário e fundamental à vida, a sua dignidade de pessoa, dotada de uma alma espiritual, de responsabilidade moral e chamado à comunhão beatífica com Deus, são critérios que a Igreja procura defender e valorizar testemunhando o amor que deve ao homem.

Numa época em que a vida humana é posta em causa através de propostas de lei que procuram a eutanásia, impõem-se ideologias que visam tomar posse do corpo humano como objecto, e desvaloriza-se a célula familiar, quisemos nestes dias trazer à nossa reflexão ‘A vida sob o olhar de Deus’.

Neste primeiro dia, partimos da citação do Evangelista São Lucas: Lc 20,38 – Deus não é Deus de mortos mas de vivos porque para Deus todos vivem.

A vida humana como dom de Deus (P. Nuno Amador)

O P. Nuno Amador ajudou-nos a olhar para a vida com este dom de Deus, que é um bem, deixando-nos interpelações e desafiando-nos na nossa pregação para um Deus vivo, Deus da vida, para que o homem se possa descobrir como único e irrepetível, chamado à comunhão com o outro, onde se reflecte o próprio Deus.

É preciso dizer a vida como dom de Deus, viver a vida como dom de Deus. É preciso olhar para as vidas fracturadas, ajudando também a ver a vida como projeto, um caminho, um dom que se pode fazer missão e que acontece em comunidade, na família e se faz vocação e testemunho.

A vida humana pressuposto de todos os direitos (Prof. Diogo Costa Gonçalves)

O Professor Diogo Costa Gonçalves apresentou-nos a vida humana como primeiro fundamento de direito, o primeiro bem jurídico a regular. Lembrou-nos que  personalidade jurídica adquire-se com a concepção, e ficámos a saber que o direito civil tem um visão ética da pessoa humana com uma origem que é judaico-cristã. Porém é predominante a ideia de que há vidas que valem mais do que outras e existem gradualismos personalistas, ou seja, várias intensidades do conceito de pessoa. Por fim, falou-nos da compreensão da vida como objecto, uma visão utilitarista da vida como juízo de consequências e como dano. Em síntese, “a primeira perfeição dos entes é a existência”.

2º dia – Quarta-feira

Homem e mulher os criou

Neste percurso que fazemos da ‘Vida sob o olhar de Deus’, vimos ontem o modo como a vida é dom de Deus. Aprofundámos a forma como, na fragilidade, Jesus leva à plenitude o sentido da vida…

percebemos que esta não é algo em abstrato… é concreta…. Que o dom é precioso e que na visão de uma mãe, reina o sentimento de gratidão apesar de ser um mistério que não se consegue compreender.

Fomos ainda convidados a olhar a vida em caminho sinodal, porque a vida para cada um é uma missão e participa da comunidade divina.

Observámos, ainda, o lado jurídico da vida humana, sendo esta o pressuposto de todos os direitos… uma realidade onde se percebe que a vida é vista como objecto, e onde se vai acentuando a sua visão utilitarista.

Com um olhar muito realista, concreto e prático ficámos ainda a conhecer os cuidados paliativos, que procuram aliviar o sofrimento de quem espera os seus últimos dias, dando assim melhor qualidade de vida.

Nesta quarta-feira somos desafiados a olhar para o homem na sua distinção. Homem e mulher os criou. Numa altura em que se difunde cada vez mais a ideologia do género, é importante conhecermos e aprofundarmos uma realidade que se vai impondo na nossa sociedade, negando que a diferença sexual inscrita no corpo possa ser identificativa da pessoa, entre outras dimensões que neste dia vamos aprofundar.

Visão cristã da pessoa humana (Mons. Duarte da Cunha)

Nesta visão cristã da pessoa humana vimos como a pessoa é uma unidade complexa. É um individuo concreto com uma história. A pessoa tem corpo e alma, um dinamismo que deve ser unidade. Nos dias de hoje, diante de um recuperar do gnosticismo, vê-se como o corpo é desprezado, numa atitude de submissão aos instintos, onde o corpo pode fazer o que quiser, que não afecta a alma.

Há também os que desprezam a alma percorrendo caminhos que podem levar a um pós-humanismo onde, o que era ficção deixa de o ser e passa a ser realidade.

O corpo é chamado à eternidade e é também o sacramento da pessoa. Isto é, torna presente a pessoa. Isto na visão da Teologia do Corpo do Papa João Paulo II. Vimos ainda como a pessoa é de natureza racional nas suas diversas dimensões: conhecimento, liberdade, vontade e afectos.

Em síntese, a pessoa, na visão cristã transcende-se a si mesmo, no outro, na história, na esperança e no encontro com Deus.

Ideologia do género: pressupostos, reflexos, alcance antropológico – (D. Manuel Linda)

A ideologia do género é um conjunto de filamentos formado de modo complexo, onde não há distinção entre o masculino e o feminino e onde o modelo de família apresenta-se com características diferentes daquelas que conhecemos e reconhecemos.

Há uma separação da maternidade da feminilidade, confunde-se a diferença sexual com orientação sexual. A ideologia do género é usada para a desestabilização social.

Vimos como na ideologia do género os seus defensores a aplicam ao prazer e à autodeterminação sexual. Observa-se  imposição da ideia de retificação anatómica, uma nova visão cultural  onde minorias vão introduzindo a ideia de modernização.

Esta ideologia vai trazendo consequências práticas que fracturam a sociedade, reclamam programas educativos específicos exigem leis de liberdade sexual.

Neste sentido, somos convidados a lutar com as armas da racionalidade e da humanização.

Ideologia do género: acompanhamento de casos – (Dra. Margarida Cordo)

A Dra. Margarida Cordo mostrou-nos como a ideologia do género é uma antropologia alternativa que recusa a complementaridade natural entre homem e mulher. Vivemos numa época em que a mentalidade mudou e com ela o desempenho de papéis entre homem e mulher. Porém esta mudança não tem mudar as questões da sexualidade mas deve fazer-nos reflectir que somos diferentes.

10% da população, em média, é homossexual porém, é preciso ter em conta que hoje a homossexualidade pode ser também um comportamento de moda e pode ser favorecida pela disfuncionalidade familiar.

Vimos algumas situações que podem conduzir, facilitar a homossexualidade.

É preciso um trabalho, do ponto de vista psicoafectivo .

A homossexualidade pode definir-se como um sintoma, uma condição baseada em emoções e desordem de afecto face ao mesmo sexo.

Apresentou-nos, ainda, determinados factores que, embora não sejam causa-consequência, podem facilitar a homossexualidade e, por fim, meios de intervenção em situações concretas, e etapas, para um crescimento emocional sólido.

3º dia – Quinta-feira

“Crescia em estatura, sabedoria e graça”

Continuando este percurso da vida sob o olhar de Deus, pudemos ontem fazer uma incursão na noção de pessoa, onde o homem se reconhece, e compreende-se a partir da revelação do mistério de Deus.

A pessoa que é ser uno e único é um ser complexo, e nesta complexidade, quando não existe a harmonia esperada submete-se aos instintos, despreza o corpo, despreza a alma.

Diante desta desarmonia que perturba tantas vezes a pessoa, fica-nos o sinal de esperança deixado pela fé que transforma a vida humana e faz-nos ser mais humanos.

Porém esta pessoa humana tende a superar-se a si própria e à própria natureza com base em novas antropologias, alternativas, onde se reivindica o exercício de diversas formas da sexualidade, não reconhecendo uma identidade sexual.

Neste sentido é preciso pregar que o futuro da humanidade passa pela família e informar e esclarecer com fundamento, e respeitar a dignidade de toda a pessoa, que seja em que condição for, continua a ser digna.

Neste último dia, vamos olhar para a dimensão educativa da pessoa, na sua totalidade. ‘Crescia em estatura, sabedoria e graça’. Um crescimento que passa pela educação, e que acontece numa complementaridade na qual, também, está presente a oblação, a graça, na santidade.

A concretização deste crescimento, conforme iremos aprofundar, passa pela família, como unidade educativa fundamental.

– Educar é um risco: pessoa e realidade total – (Prof. Henrique Leitão)

A questão educativa é uma questão que está na ordem do dia, mas o que está em jogo é mais que a educação. Sem querer fazer comparações com outros tempos, o Professor Henrique Leitão fez-nos perceber que a educação é uma reflexão sobre o presente e o futuro, e que a situação ideal de educação verifica-se na relação educativa entre um grande mestre e um aluno interessado. Uma relação com um mestre que é fonte de critério, que propõe a própria vida como possibilidade de verdade, por uma amizade que não desiste e onde existe o afecto.

Educar é, assim, um processo pelo qual o educando se vai transformando interiormente, em que as coisas adquirem um novo valor, um novo interesse ganhando autonomia. É assim, “a arte de dar forma à própria vida”, segundo a definição de Edith Stein.

A pessoa educada manifesta um interesse maior por aquilo que a cerca e papel do educador é o de revelar o fascínio e interesse que a realidade já tem. Isto supõe esforço e disciplina, de modo a descobrir a grandeza das coisas. Trata-se de uma introdução à realidade total que, não é educar para uma certa visão do mundo ou ideologia, mas que tem em vista operar no sentido das coisas.

Neste sentido, é tarefa do educador alargar o horizonte das possibilidades da vida. Assim, a educação dá-se, quando o educando se envolve no compromisso com a vida, sem lhe ser retirada a liberdade.

Família: unidade educativa fundamental (Dra. Susana Costa Ramalho)

A família é a célula fundamental da sociedade e é aquilo que pode vir a ser. A família é comunidade de amor onde se cultiva a relação. É realidade que se constrói.

Formar uma família é dos maiores desafios e um caminho exigente, com consequências e, por isso mesmo, de muita responsabilidade. A família enfrenta mudanças estruturais onde há mais informação a circular, onde se questiona as funções parentais, há corte com modelos e práticas educativas, há desorientação e visões diferentes de ser família que foram trazidas pela própria psicologia.

Vemos, assim, que hoje vivemos numa cultura não favorável à família, onde predomina o descartável, onde os media vão impondo modelos pouco comprometidos  de relação. Vamos assistindo a uma afirmação da liberdade individual onde a legislação não é favorável, há ausência de compromisso e educa-se para o individualismo e o prazer.

Apesar deste panorama contrário, as pessoas continuam a querer formar família e há motivações para a parentalidade que são diversas. À família cabe, assim, a missão de educar para diferentes tarefas, onde cada um tem uma ideia própria sobre a família que gostaria de construir mas, onde sobressai que a família poderá ser o porto-seguro.

Construir família tem as suas dificuldades mas o maior segredo para a função educativa reside na arte de amar. É preciso, por isso, ser exemplo, ser o primeiro a amar, ser capaz de confiar, viver a misericórdia com a correção comunicar com clareza cuidando das relações. Neste sentido, o amor é o remédio para a educação, para a família, inspirados pela família de Nazaré como caminho para uma família moderna, para a qual a Dra. Susana Costa Ramalho nos deixou diversas pistas de actuação.

Em síntese, é preciso amar, amar, amar.

P. Nuno Rosário Fernandes em site do Patriarcado

Partilhar