O dinheiro que os cristãos das paróquias do Patriarcado de Lisboa renunciarem durante a Quaresma vai ser aplicado em obras no Seminário dos Olivais que, no próximo ano pastoral, se prepara para receber mais cerca de 30 seminaristas. Ao Jornal VOZ DA VERDADE, o reitor do seminário maior da diocese, padre José Miguel Pereira, explica as mudanças que vão acontecer e apela a uma reflexão do cuidado pela formação sacerdotal.
A renúncia quaresmal dos cristãos do Patriarcado de Lisboa vai ser, este ano, destinada às obras que vão decorrer no Seminário dos Olivais. Que obras são estas?
São obras de adaptação do pavilhão B – que nos últimos anos tem estado a funcionar, no rés-do-chão e 1º piso, com os serviços centrais da Conferência Episcopal Portuguesa – para quartos e outros espaços comunitários dos primeiros anos do seminário maior. Está prevista a autonomização do Ano Propedêutico [uma espécie de ano zero, ou ano de iniciação], que ficará no Seminário de São José, em Caparide, e a deslocação para o Seminário dos Olivais dos primeiros anos [1º e 2º ano] da formação sacerdotal, propriamente dita, com a etapa académica e toda a dimensão formativa. Portanto, o dinheiro da renúncia quaresmal vai ajudar na adaptação desses espaços.
Como é constituído o pavilhão B?
O pavilhão B é o simétrico do pavilhão A, que funciona atualmente com os alunos do 3º ao 6º ano. Quando os números de vocações desceram drasticamente nos anos 70, este pavilhão teve várias ocupações, como uma universidade, depois uma casa de retiros e, ultimamente, esteve a ser utilizado pela Conferência Episcopal. Os dois pisos de cima, o 2º e o 3º, estão desocupados mas estão ‘partidos’ desde que se pensou dar uma utilização de apoio às reuniões dos Bispos portugueses. É preciso construir esses quartos e é preciso fazer também os outros espaços comunitários, as salas de trabalho, as salas de reunião.
Originalmente, o pavilhão B teria pouco mais de 30 quartos por cada um dos três andares, mas o 1º andar já está transformado e de cada dois quartos fez-se um – tem, portanto, cerca de 16 gabinetes, que à partida são para manter. Nos outros dois pisos temos de fazer quartos com casas-de-banho – porque, na altura, os quartos não tinham casas-de-banho individuais mas balneários comuns –, portanto é natural que diminua o número de quartos, mas falta ainda acertar o número certo.
Em princípio, tudo aponta para que os grandes espaços comunitários – como a capela e o refeitório – sejam comuns aos pavilhões A e B, mas há ainda decisões por tomar. No entanto, assim como o pavilhão A tem uma pequena capela para algumas orações comunitárias mais pequenas, é muito possível que no renovado pavilhão B também possa haver um espaço adaptado a pequena capela mais reservada, também para a oração pessoal.
Por que motivo a diocese sentiu necessidade de fazer estas obras?
É uma convergência de fatores, que tem o dedo de Deus. Em primeiro lugar, o próprio acompanhamento fez com que, já desde há mais de quatro anos, ainda no tempo do senhor D. José Policarpo, as equipas formadoras tenham vindo a refletir a necessidade de aprofundar o modelo de formação que temos aos desafios do tempo presente. Aquilo que durante muito tempo tem sido uma experiência pioneira em Portugal, que é este seminário em duas etapas e em duas casas separadas [Caparide primeiro e Olivais depois], já nos anos 70 se chegou à conclusão que antes de uma formação pastoral era preciso uma fundamentação vocacional e cristã, e isso tem-se vindo a acentuar, nos desafios, hoje, da educação e das situações familiares e mesmo da formação cristã. Ou seja, a necessidade de um cuidado mais estendido no tempo e mais concentrado na formação humana e na formação eclesial. Não apenas o básico da formação cristã, que já vinha de trás e se mantém, mas também uma formação eclesial. Hoje, muitas vezes, a experiência de Igreja com que se chega ao seminário é muito parcelar, por isso sentiu-se a necessidade de, nessa fase inicial, que se chamava vocacional, ainda se distinguir uma etapa propedêutica – com não menos do que um ano e não mais do que dois – e depois uma etapa que agora se chamará discipular, que será de dois anos, o 1º e o 2º ano. Por outro lado, foi-se sentindo a necessidade de aproximar, em todo o percurso formativo, o acompanhamento da equipa formadora, ou seja, não haver duas equipas formadoras – unidas em sintonia de perspetivas e na pessoa do reitor, mas ainda assim duas equipas formadoras –, mas uma equipa a acompanhar o percurso, sem a necessidade de uma mudança de diretor espiritual a meio, o que por vezes provoca instabilidade numa fase em que a transição de vida comunitária também já podia ser, por si, instável…
Tudo isto coincidiu com a publicação da nova ‘Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis’, para o mundo inteiro, um documento da Congregação para o Clero, da Santa Sé, sobre a formação sacerdotal, que apontou também neste sentido: uma autonomização do propedêutico e um seminário com várias etapas – uma primeira discipular, mais de formação humana e cristã/eclesial e depois uma etapa configuradora, mais da dimensão do estudo teológico e da configuração pastoral, em ordem ao ministério, e ainda uma etapa de síntese vocacional, ou pastoral, com alguns dinamismos que ainda estamos a ver como pôr em prática.
Finalmente, o próprio Sínodo Diocesano de Lisboa que, nos números 64 e 70, pede que se dê uma particular atenção à formação sacerdotal, para a comunhão e a missão. Tudo isto reunido, traz este desafio de aproveitamento do pavilhão B do Seminário dos Olivais.
Quais são os números de seminaristas actualmente?
Nos seminários dos Olivais e de Caparide temos alunos de 11 dioceses: Lisboa, cinco dioceses portuguesas (Aveiro, Funchal, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco e Santarém) e mais cinco estrangeiras (São Tomé e Príncipe, Mindelo e Santiago – Cabo Verde e Cochim e Trivandrum – Índia). No total, temos 43 alunos nos Olivais, incluindo 11 finalistas, e 41 em Caparide, ou seja, 84 alunos. No próximo ano pastoral teremos, porventura, mais de 70 seminaristas – porque há sempre um ou outro que até ao final do ano ainda tomam algumas decisões vocacionais –, e é muito importante que não haja uma massificação mas que, quer na forma interna de acompanhamento, quer na disponibilidade de tempo e de ocupações dos padres, consigamos um atendimento personalizado e em pequenas comunidades, que favoreçam as relações de proximidade e não as relações de massificação.
O que a Igreja pede com a renúncia quaresmal?
Creio que duas coisas. Uma, em geral, aponta a renúncia quaresmal como um caminho próprio da Quaresma onde somos convidados a viver um tempo mais concentrado no sentido da vida, que é a Páscoa – e, portanto, orientado para a Páscoa –, e aí a repensarmos e fazermos uma revisão de vida, de alguns dinamismos onde, por vezes, nos vamos concentrando em nós mesmos e nos nossos objetivos mais imediatos. Este tempo convida a fazermos alguma renúncia a nós mesmos para nos recentrarmos em Deus e, a partir daí, podermos também olhar os outros a partir do olhar de Deus. Neste sentido, a renúncia quaresmal implica um caminho de ascese e de penitência que frutifica em partilha. Isto é o é que é pedido, e é neste sentido que a partilha seja em função daquilo que é a obra da Igreja: da evangelização, do cuidado da caridade, das obras do apostolado e também da formação sacerdotal.
Neste caso ainda mais específico, creio que é uma oportunidade muito grande para provocar todo o povo de Deus, e mesmo o presbitério, a uma reflexão – na linha dos desafios da Constituição Sinodal de Lisboa – do cuidado pela formação sacerdotal. O seminário é o coração da diocese, mas por vezes acontece o que acontece com o nosso corpo: quando o coração está a funcionar sem problemas, pelo menos aparentes, nós nem nos lembramos dele. Não digo que o seminário não tenha desafios, porque tem, e sinto que o seminário é amado pela diocese e pelo povo de Deus, mas sinto também que se confia que ‘os que lá estão, fazem’. Todos temos opiniões sobre o seminário, mas no dia-a-dia e na própria reflexão pastoral o trabalho das vocações sacerdotais fica, muitas vezes, entregue aos tidos como especialistas. A renúncia quaresmal deste ano é uma oportunidade para repropor, entre o presbitério, um cuidado, uma reflexão e uma necessidade de um envolvimento maior com a vida do seminário, e também uma oportunidade para o povo de Deus sentir de novo alguns desafios do cuidado das vocações sacerdotais e perceber como isso começa, muitas vezes, nas comunidades e nas famílias e como o apoio é muito mais do que este apoio monetário, é um apoio de oração, um apoio de cuidado e de ambiente vocacional, de amor, carinho e apresentação da vocação sacerdotal. Creio que a renúncia quaresmal pode ser oportunidade para tudo isto.
De que forma o Seminário dos Olivais vive a Quaresma, este tempo litúrgico de preparação para a Páscoa?
Além dos desafios pessoais, que cada um vai encontrando na sua oração e no diálogo com o seu diretor espiritual, temos alguns gestos comunitários que, como comunidade, nos ajudam a recordar e a apostar neste caminho de conversão e tempo de graça, em ordem à Páscoa. No campo da oração – muito em conformidade com aquilo que é a proposta da Igreja –,fazemos a via-sacra às sextas-feiras, tivemos durante esta semana o retiro anual, que teve como pregador o cónego Luís Manuel, pároco da Sé, e no final do tempo da Quaresma haverá ainda a celebração penitencial. Temos a abstinência da sexta-feira, em que o seminário não oferece o lanche e a refeição da noite é mais leve, e à terça-feira, uma vez que às sextas-feiras sobretudo os alunos do 6º ano já não estão no seminário porque têm os trabalhos pastorais, há o jantar de silêncio, com música de fundo, que favoreça a meditação. Em termos de partilha, temos a entrega da renúncia quaresmal na última semana antes da Semana Santa.
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“A identidade missionária dos sacerdotes deverá refletir-se nos projetos formativos dos seminários. Como «coração da diocese», no seminário lançam-se as bases para um estilo de vida sacerdotal assente na comunhão e na missão. Os seminários e o pré-seminário devem ser tomados e acarinhados como lugar por excelência da formação para o sacerdócio.”
Constituição Sinodal de Lisboa, nº 64